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Daniel Chapo no poder: "vai ser importante criar um ambiente de paz para pôr em marcha o seu plano"
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Foi investido hoje em Maputo Daniel Chapo, como quinto Presidente da República de Moçambique, num contexto político tenso. Declarado vencedor das eleições gerais de 9 de Outubro com um pouco mais de 65% dos votos, o actual secretário-geral da Frelimo tomou posse sob apertado dispositivo de segurança para ele e os seus 2.500 convidados, depois de semanas de violentos protestos liderados pelo seu mais directo adversário, Venâncio Mondlane, com um balanço de cerca de 300 mortos segundo a sociedade civil.
Primeiro Presidente moçambicano nascido depois da independência, Daniel Chapo, 48 anos, era tido até agora como um responsável discreto. Contudo, no seu primeiro discurso como Presidente, quis apresentar-se como um líder de "ruptura".
Ao defender a união no país e "a estabilidade social e política" como "prioridade das prioridades", Daniel Chapo falou no “início de uma nova fase” da “jornada de consolidação” e da construção de uma “nação soberana e próspera”, projectos que deveriam materializar-se, na sua óptica, através de uma ampla reforma do Estado, com a redução do número de ministérios, com a criação de novas entidades, com a digitalização dos serviços públicos e com a luta contra a corrupção.
Um discurso que segundo o analista moçambicano Dércio Alfazema pode encontrar eco junto da população que esteve na rua.
RFI: Dércio Alfazema tem sido considerado até ao momento como sendo um líder discreto. Tem-se colocado em evidência o facto de ele ser o primeiro Presidente nascido depois da independência. Com o discurso de hoje, julga que ele pode personificar a ruptura?
Dércio Alfazema: Esse anúncio de hoje é uma situação praticamente de ruptura e era o que se precisava para se reanimar o Estado. Então, há uma transição geracional, uma nova forma de ver e abordar o Estado. Ele esteve em silêncio de uma forma muito discreta, parece que à espera do momento certo para dizer 'olha, eu estou aqui e é assim como nós vamos avançar'. Portanto, o discurso dele hoje aponta uma direcção clara: reformas profundas de contenção, de transparência. E eu penso que ele é a pessoa certa, exactamente porque não está contaminado com esse ambiente de grupos, de alas que têm essas ligações históricas muito profundas. E essa questão de ruptura e transição já começou a ser feita com o Presidente Nyusi. Não foi combatente, mas ele esteve, cresceu, passou uma parte do tempo com os combatentes. Agora vem o Chapo que não tem absolutamente nenhuma ligação com os combatentes e vem concluir esse processo de transição, de uma forma muito estruturante, muito profunda. Eu penso que ele é a pessoa certa. Estamos no momento certo. A população esteve na rua a clamar por isso, a dizer que queremos mudanças profundas, mais do que uma questão eleitoral. A população quer medidas concretas que mostram um sinal claro do governo de que está em prol da população e não termos uma situação em que a população clama pelo custo de vida, pela falta de acesso às oportunidades, pelos serviços precários, enquanto temos um governo que ostenta cada vez mais que, afinal de contas, não é problema de recurso, é um problema de como são geridos e canalizados os recursos. Então faz essa ruptura de uma forma muito clara e profunda.
RFI: Daniel Chapo chega ao poder num contexto que lhe é hostil. Ainda antes da sua tomada de posse, há uma série de ONGs que depositaram junto da União Africana uma petição reclamando que a União Africana não reconheça Daniel Chapo como Presidente de Moçambique. O que é que se pode dizer sobre esta iniciativa ao fim de várias semanas de crise pós-eleitoral?
Dércio Alfazema: Isto é uma forma de protesto, uma forma de contestação, estamos num contexto democrático. Eu acho que a sociedade civil está a fazer o seu papel, apesar de, em alguns momentos, optarem por caminhos que logo à partida, não vão dar nada para além de aplausos nas redes sociais, para além de uma manifestação de intenção apenas. Mas é a democracia, é aquilo que é permitido. Eu penso que cada um pode seguir, mas por essas alturas estarmos ainda a falar de eleições, discutir eleições, contestar eleições, me parece ser uma perca de tempo. O processo eleitoral em Moçambique terminou formalmente no dia 23 de Dezembro de 2024 e hoje tem a ver com o início de um novo ciclo de governação e o nosso modelo eleitoral tem a particularidade de a proclamação dos resultados serem feitos depois de terem sido analisados e concluídos todos os recursos. É por isso que também é demorado. Então, terminados os recursos, aí se avalia o processo e se faz a proclamação. Depois da proclamação, é a palavra final. Já não há nada que possa mudar. E mesmo dentro do princípio de soberania e independência do Estado, sendo esse um processo interno, tem quase que nenhuma possibilidade ou probabilidade de esse processo que vai à União Africana proceder. Até porque na cerimónia de investidura, esteve lá a representante da União Africana e esteve lá representado o secretário-geral das Nações Unidas. Enfim, vai ser um arrastar desnecessário este processo, porque praticamente o novo ciclo de governação já iniciou e não há possibilidade, pela nossa legislação, de se inverter alguma coisa, por qualquer que seja a razão.
RFI: Evoca precisamente a presença de alguns representantes internacionais. Na cerimónia de investidura de Daniel Shapiro mencionou, lá está, representantes da ONU e da União Africana. Entre os Presidentes que participaram nessa cerimónia esteve apenas o Presidente da Guiné-Bissau e da África do Sul e entre os restantes 2.500 convidados, foram representados países apenas ao nível de ministros ou vice-presidentes. Foi o caso, por exemplo, de Portugal, que foi representado pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros. Isto é um sinal a seu ver?
Dércio Alfazema: Eu olho isto como um sinal pela positiva, que pelo menos aqueles países que têm essa ligação histórica com Moçambique estiveram representados a níveis diferentes, mas estiveram lá. Por exemplo, temos a África do Sul, que esteve ao mais alto nível. É um país irmão que tem uma ligação histórica muito profunda com Moçambique. Está mesmo aqui ao lado. Temos uma fronteira que partilhamos. Temos povos que vivem de um e do outro lado e outro país que também é muito importante, cuja presença serve de termómetro. E Portugal pela ligação histórica que temos. Agora, a questão de estarem cá em diferentes níveis, também pode se ler dentro desse contexto, não de contestação de resultados, mas mais de violência. Deve ter conhecimento de que o país tem vivido momentos de violência em que se cortam estradas, colocam-se barricadas e agridem-se as pessoas. A polícia também usou da sua truculência para reprimir as pessoas e tem sido um ambiente de terror, de guerra. E para presença de um chefe de Estado, tinha que haver alguma garantia mínima. Mesmo a presença do Presidente da África do Sul, eu acredito que ao amanhecer, porque eles estão mesmo aqui ao lado, deve ter havido um alerta de segurança no sentido de que as condições estavam criadas e podiam vir porque o outro nome que estava anunciado da África do Sul era o do ministro Ramola (chefe da diplomacia da África do Sul), que deveria estar. Mas tendo-se percebido que havia condições de segurança, acredito que o Presidente chegou no seu avião e veio. Mas já é diferente para Portugal. Portugal tinha que ter essa informação, essa garantia de segurança com mais antecedência. Mas eu penso que não é isto que vai afectar a credibilidade do processo. Não é isso que vai afectar as relações com Moçambique. E mesmo o próprio Daniel Chapo fez referência à intenção de reforçar ainda mais as nossas relações diplomáticas, sobretudo com aquelas plataformas multilaterais e também de forma bilateral, com aqueles países que são muito próximos a Moçambique.
RFI: E Venâncio Mondlane, no meio disto tudo, como é que fica? Vai ser uma pedra no sapato de Daniel Chapo? Ou, pelo contrário, julga que há condições para um diálogo e uma cooperação?
Dércio Alfazema: O diálogo, a busca de entendimento e consenso vão ser sempre necessários. Mas a verdade é que, chegados a essa fase, o Venâncio Mondlane vai ter que se reposicionar em termos discursivos, em termos de narrativa, porque muito daquilo que ele dizia, que era um problema, que está preocupado com o povo, penso que Daniel Chapo já deu o sinal que isto vai ser a prioridade na sua governação. Se é uma questão eleitoral, a questão eleitoral vai estar resolvida. Então, Venâncio Mondlane vai ter que ser mais criativo para continuar a contestar e clarificar agora, o que é que vai pretender contestar. Então, a melhor saída neste momento para Venâncio Mondlane é aproximar e cooperar, é tentar contribuir para que esse processo de diálogo venha a acontecer, sob o risco de ele manifestar-se sobre o vazio. Porque os problemas foram levantados e Daniel Chapo assumiu publicamente na sua tomada de posse que vai ter esses problemas na sua agenda como prioridade, para tratá-los. Então ele vai ter que se repensar, senão mesmo parar com as manifestações e se organizar politicamente, porque ele agora está politicamente desamparado, já não tem nenhuma plataforma formal que o apoia. O Podemos está no Parlamento. Esteve hoje na tomada de posse e pretende seguir como um partido político, fazer a sua agenda e representar a oposição moçambicana. Agora, o Venâncio Mondlane não tem partido. É um grupo de pessoas cuja agenda começa a ser esvaziada com esse discurso e a agenda eleitoral também cai por terra neste momento. Então, ele vai ter que ser mais criativo para continuar relevante na cena política e não ficar conhecido como alguém que passa o tempo a promover a violência e instabilidade política.
RFI: O Podemos afastou-se do posicionamento de Venâncio Mondlane e deu posse aos seus deputados, o que não aconteceu com os deputados da Renamo e do MDM. Que oposição Daniel Chapo vai encontrar?
Dércio Alfazema: Penso que o Podemos afastou-se dessa abordagem de violência, de manifestação e de contestar algo que já não vai mudar. Mas em termos ideológicos, eles vão ainda ser voz do Venâncio Mondlane dentro do Parlamento. Em segundo lugar, a Renamo e o MDM não tomaram posse por uma questão apenas figurativa e para responder àquilo que era a pressão da opinião pública. Mas é certo que nos próximos dias eles vão tomar posse e vão estar representados no Parlamento. A oposição nesse mandato vai ter mais assentos do que no mandato anterior. Então, temos elementos para acreditar que vamos ter um debate mais profundo ao nível da Assembleia da República, uma vez que a Frelimo é que diminui o número de assentos, em detrimento da oposição que aumenta. A Renamo e o MDM estarão no Parlamento. Só não foram à cerimónia solene para responder àquilo que era um grito de um segmento da sociedade. Mas eles, nos próximos dias, sem dúvida alguma, que vão tomar posse e vão estar no Parlamento.
RFI: Daniel Chapo não pode actuar sozinho. Ele tem um partido atrás dele, um partido que se diz actualmente estar dividido. As próprias condições em que ele foi indigitado para representar a Frelimo nas eleições gerais dão a entender que, de facto, ele não fazia propriamente a unanimidade dentro do partido. A Frelimo vai ajudá-lo a conduzir os seus objectivos, nomeadamente no que tange, por exemplo, à luta contra a corrupção, numa altura em que se acusa frequentemente os próprios membros do partido de serem também factores de corrupção?
Dércio Alfazema: A Frelimo é o partido que o suporta e é bem provável que os próximos passos passarão por ele também tomar a liderança do próprio partido. Ele tem neste momento tudo o que precisa, pelo menos ao nível do Estado, para promover as reformas, promover as mudanças e trazer essa dinâmica que visa promover o bem-estar para a população. Dentro do partido, é uma luta que, obviamente, ele também terá que fazer para colocar no mesmo alinhamento o partido e a sua acção para que não haja uma espécie de destoar entre o Executivo e o Legislativo no Parlamento, porque para viabilizar muitas das políticas que ele vai anunciar, claramente vai precisar do suporte do Parlamento para aprovar essas políticas, para aprovar essas leis. Então ele vai precisar também do seu partido e vamos ver como é que o partido compreendeu esse discurso que ele trouxe, ou até mesmo se o seu próprio partido o apoiou na elaboração desse discurso e dessa visão que vai trazer rupturas muito profundas.
RFI: As reformas também implicam algum investimento financeiro. Moçambique tem condições mínimas para avançar com estas reformas, tendo em conta, por exemplo, o impacto que as dívidas ocultas continuam a ter sobre o orçamento do país, sem contar o impacto também mais recente, dos danos provocados pelas violências destas últimas semanas?
Dércio Alfazema: Talvez essas reformas, essa reestruturação do Estado seja uma forma de responder a essa retirada dos parceiros, seja uma forma também de procurar confiança e mais apoio ao nível dos parceiros. Porque por nós, internamente, está claro que o nosso sistema é deficitário, mesmo com esses cortes que vão fazer, retirando alguns ministérios, retirando alguns cargos e alguns benefícios aos dirigentes. Penso que não será suficiente para cobrir todo o processo de reforma, que vai ser uma reforma que vai no mínimo demandar cinco ou dez anos. Mas uma vez mais, ele vai precisar -sim- do apoio externo e vai depender, em termos da sua política externa, como vai se posicionar perante os parceiros e doadores para poder ter o financiamento necessário para tornar efectivas algumas dessas reformas que pretende fazer. Mas algumas delas claramente que não dependem do apoio externo e que internamente, ele pode, a partir das suas próprias decisões, implementar como essa questão de redução do governo, redução dos ministérios, a questão de retirar o vice-ministro, a questão da descentralização ao nível da província. Algumas medidas são meramente políticas e dependem dele, mas em algumas, ele vai precisar de apoio para poder pô-las em prática.
RFI: É habitual fazer-se uma primeira avaliação da acção de um novo governante ao fim dos cem primeiros dias. A seu ver, quais vão ser as "prioridades das prioridades" de Daniel Chapo nos primeiros tempos da sua governação?
Dércio Alfazema: Essa é uma grande questão. O país tem muitos desafios, mas o primeiro sinal já foi dado com o seu discurso. Mas acredito que vai haver algum investimento em termos de infraestruturas, em termos de serviços de educação, até porque os primeiros cem dias vão coincidir com a abertura do ano lectivo. Então, há de haver uma grande expectativa, porque a educação também tem muitos desafios, inclusive a questão da distribuição dos livros escolares, que tem sido também feito de forma muito problemática. Há de haver necessidade, talvez, de responder a algumas questões urgentes em termos de infraestruturas, de vias de acesso e estradas. Portanto, estamos todos na expectativa para ver como é que ele vai dar o primeiro sinal perante esse elevar da fasquia com o seu discurso. Como é que ele vai dar os primeiros sinais ao longo dos primeiros cem dias, sobre o rumo que pretende dar ao país? Claramente que há de ser importante e necessário também criar esse ambiente de paz, de reconciliação, para que ele consiga pôr em marcha aquilo que é o seu plano.
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Foi investido hoje em Maputo Daniel Chapo, como quinto Presidente da República de Moçambique, num contexto político tenso. Declarado vencedor das eleições gerais de 9 de Outubro com um pouco mais de 65% dos votos, o actual secretário-geral da Frelimo tomou posse sob apertado dispositivo de segurança para ele e os seus 2.500 convidados, depois de semanas de violentos protestos liderados pelo seu mais directo adversário, Venâncio Mondlane, com um balanço de cerca de 300 mortos segundo a sociedade civil.
Primeiro Presidente moçambicano nascido depois da independência, Daniel Chapo, 48 anos, era tido até agora como um responsável discreto. Contudo, no seu primeiro discurso como Presidente, quis apresentar-se como um líder de "ruptura".
Ao defender a união no país e "a estabilidade social e política" como "prioridade das prioridades", Daniel Chapo falou no “início de uma nova fase” da “jornada de consolidação” e da construção de uma “nação soberana e próspera”, projectos que deveriam materializar-se, na sua óptica, através de uma ampla reforma do Estado, com a redução do número de ministérios, com a criação de novas entidades, com a digitalização dos serviços públicos e com a luta contra a corrupção.
Um discurso que segundo o analista moçambicano Dércio Alfazema pode encontrar eco junto da população que esteve na rua.
RFI: Dércio Alfazema tem sido considerado até ao momento como sendo um líder discreto. Tem-se colocado em evidência o facto de ele ser o primeiro Presidente nascido depois da independência. Com o discurso de hoje, julga que ele pode personificar a ruptura?
Dércio Alfazema: Esse anúncio de hoje é uma situação praticamente de ruptura e era o que se precisava para se reanimar o Estado. Então, há uma transição geracional, uma nova forma de ver e abordar o Estado. Ele esteve em silêncio de uma forma muito discreta, parece que à espera do momento certo para dizer 'olha, eu estou aqui e é assim como nós vamos avançar'. Portanto, o discurso dele hoje aponta uma direcção clara: reformas profundas de contenção, de transparência. E eu penso que ele é a pessoa certa, exactamente porque não está contaminado com esse ambiente de grupos, de alas que têm essas ligações históricas muito profundas. E essa questão de ruptura e transição já começou a ser feita com o Presidente Nyusi. Não foi combatente, mas ele esteve, cresceu, passou uma parte do tempo com os combatentes. Agora vem o Chapo que não tem absolutamente nenhuma ligação com os combatentes e vem concluir esse processo de transição, de uma forma muito estruturante, muito profunda. Eu penso que ele é a pessoa certa. Estamos no momento certo. A população esteve na rua a clamar por isso, a dizer que queremos mudanças profundas, mais do que uma questão eleitoral. A população quer medidas concretas que mostram um sinal claro do governo de que está em prol da população e não termos uma situação em que a população clama pelo custo de vida, pela falta de acesso às oportunidades, pelos serviços precários, enquanto temos um governo que ostenta cada vez mais que, afinal de contas, não é problema de recurso, é um problema de como são geridos e canalizados os recursos. Então faz essa ruptura de uma forma muito clara e profunda.
RFI: Daniel Chapo chega ao poder num contexto que lhe é hostil. Ainda antes da sua tomada de posse, há uma série de ONGs que depositaram junto da União Africana uma petição reclamando que a União Africana não reconheça Daniel Chapo como Presidente de Moçambique. O que é que se pode dizer sobre esta iniciativa ao fim de várias semanas de crise pós-eleitoral?
Dércio Alfazema: Isto é uma forma de protesto, uma forma de contestação, estamos num contexto democrático. Eu acho que a sociedade civil está a fazer o seu papel, apesar de, em alguns momentos, optarem por caminhos que logo à partida, não vão dar nada para além de aplausos nas redes sociais, para além de uma manifestação de intenção apenas. Mas é a democracia, é aquilo que é permitido. Eu penso que cada um pode seguir, mas por essas alturas estarmos ainda a falar de eleições, discutir eleições, contestar eleições, me parece ser uma perca de tempo. O processo eleitoral em Moçambique terminou formalmente no dia 23 de Dezembro de 2024 e hoje tem a ver com o início de um novo ciclo de governação e o nosso modelo eleitoral tem a particularidade de a proclamação dos resultados serem feitos depois de terem sido analisados e concluídos todos os recursos. É por isso que também é demorado. Então, terminados os recursos, aí se avalia o processo e se faz a proclamação. Depois da proclamação, é a palavra final. Já não há nada que possa mudar. E mesmo dentro do princípio de soberania e independência do Estado, sendo esse um processo interno, tem quase que nenhuma possibilidade ou probabilidade de esse processo que vai à União Africana proceder. Até porque na cerimónia de investidura, esteve lá a representante da União Africana e esteve lá representado o secretário-geral das Nações Unidas. Enfim, vai ser um arrastar desnecessário este processo, porque praticamente o novo ciclo de governação já iniciou e não há possibilidade, pela nossa legislação, de se inverter alguma coisa, por qualquer que seja a razão.
RFI: Evoca precisamente a presença de alguns representantes internacionais. Na cerimónia de investidura de Daniel Shapiro mencionou, lá está, representantes da ONU e da União Africana. Entre os Presidentes que participaram nessa cerimónia esteve apenas o Presidente da Guiné-Bissau e da África do Sul e entre os restantes 2.500 convidados, foram representados países apenas ao nível de ministros ou vice-presidentes. Foi o caso, por exemplo, de Portugal, que foi representado pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros. Isto é um sinal a seu ver?
Dércio Alfazema: Eu olho isto como um sinal pela positiva, que pelo menos aqueles países que têm essa ligação histórica com Moçambique estiveram representados a níveis diferentes, mas estiveram lá. Por exemplo, temos a África do Sul, que esteve ao mais alto nível. É um país irmão que tem uma ligação histórica muito profunda com Moçambique. Está mesmo aqui ao lado. Temos uma fronteira que partilhamos. Temos povos que vivem de um e do outro lado e outro país que também é muito importante, cuja presença serve de termómetro. E Portugal pela ligação histórica que temos. Agora, a questão de estarem cá em diferentes níveis, também pode se ler dentro desse contexto, não de contestação de resultados, mas mais de violência. Deve ter conhecimento de que o país tem vivido momentos de violência em que se cortam estradas, colocam-se barricadas e agridem-se as pessoas. A polícia também usou da sua truculência para reprimir as pessoas e tem sido um ambiente de terror, de guerra. E para presença de um chefe de Estado, tinha que haver alguma garantia mínima. Mesmo a presença do Presidente da África do Sul, eu acredito que ao amanhecer, porque eles estão mesmo aqui ao lado, deve ter havido um alerta de segurança no sentido de que as condições estavam criadas e podiam vir porque o outro nome que estava anunciado da África do Sul era o do ministro Ramola (chefe da diplomacia da África do Sul), que deveria estar. Mas tendo-se percebido que havia condições de segurança, acredito que o Presidente chegou no seu avião e veio. Mas já é diferente para Portugal. Portugal tinha que ter essa informação, essa garantia de segurança com mais antecedência. Mas eu penso que não é isto que vai afectar a credibilidade do processo. Não é isso que vai afectar as relações com Moçambique. E mesmo o próprio Daniel Chapo fez referência à intenção de reforçar ainda mais as nossas relações diplomáticas, sobretudo com aquelas plataformas multilaterais e também de forma bilateral, com aqueles países que são muito próximos a Moçambique.
RFI: E Venâncio Mondlane, no meio disto tudo, como é que fica? Vai ser uma pedra no sapato de Daniel Chapo? Ou, pelo contrário, julga que há condições para um diálogo e uma cooperação?
Dércio Alfazema: O diálogo, a busca de entendimento e consenso vão ser sempre necessários. Mas a verdade é que, chegados a essa fase, o Venâncio Mondlane vai ter que se reposicionar em termos discursivos, em termos de narrativa, porque muito daquilo que ele dizia, que era um problema, que está preocupado com o povo, penso que Daniel Chapo já deu o sinal que isto vai ser a prioridade na sua governação. Se é uma questão eleitoral, a questão eleitoral vai estar resolvida. Então, Venâncio Mondlane vai ter que ser mais criativo para continuar a contestar e clarificar agora, o que é que vai pretender contestar. Então, a melhor saída neste momento para Venâncio Mondlane é aproximar e cooperar, é tentar contribuir para que esse processo de diálogo venha a acontecer, sob o risco de ele manifestar-se sobre o vazio. Porque os problemas foram levantados e Daniel Chapo assumiu publicamente na sua tomada de posse que vai ter esses problemas na sua agenda como prioridade, para tratá-los. Então ele vai ter que se repensar, senão mesmo parar com as manifestações e se organizar politicamente, porque ele agora está politicamente desamparado, já não tem nenhuma plataforma formal que o apoia. O Podemos está no Parlamento. Esteve hoje na tomada de posse e pretende seguir como um partido político, fazer a sua agenda e representar a oposição moçambicana. Agora, o Venâncio Mondlane não tem partido. É um grupo de pessoas cuja agenda começa a ser esvaziada com esse discurso e a agenda eleitoral também cai por terra neste momento. Então, ele vai ter que ser mais criativo para continuar relevante na cena política e não ficar conhecido como alguém que passa o tempo a promover a violência e instabilidade política.
RFI: O Podemos afastou-se do posicionamento de Venâncio Mondlane e deu posse aos seus deputados, o que não aconteceu com os deputados da Renamo e do MDM. Que oposição Daniel Chapo vai encontrar?
Dércio Alfazema: Penso que o Podemos afastou-se dessa abordagem de violência, de manifestação e de contestar algo que já não vai mudar. Mas em termos ideológicos, eles vão ainda ser voz do Venâncio Mondlane dentro do Parlamento. Em segundo lugar, a Renamo e o MDM não tomaram posse por uma questão apenas figurativa e para responder àquilo que era a pressão da opinião pública. Mas é certo que nos próximos dias eles vão tomar posse e vão estar representados no Parlamento. A oposição nesse mandato vai ter mais assentos do que no mandato anterior. Então, temos elementos para acreditar que vamos ter um debate mais profundo ao nível da Assembleia da República, uma vez que a Frelimo é que diminui o número de assentos, em detrimento da oposição que aumenta. A Renamo e o MDM estarão no Parlamento. Só não foram à cerimónia solene para responder àquilo que era um grito de um segmento da sociedade. Mas eles, nos próximos dias, sem dúvida alguma, que vão tomar posse e vão estar no Parlamento.
RFI: Daniel Chapo não pode actuar sozinho. Ele tem um partido atrás dele, um partido que se diz actualmente estar dividido. As próprias condições em que ele foi indigitado para representar a Frelimo nas eleições gerais dão a entender que, de facto, ele não fazia propriamente a unanimidade dentro do partido. A Frelimo vai ajudá-lo a conduzir os seus objectivos, nomeadamente no que tange, por exemplo, à luta contra a corrupção, numa altura em que se acusa frequentemente os próprios membros do partido de serem também factores de corrupção?
Dércio Alfazema: A Frelimo é o partido que o suporta e é bem provável que os próximos passos passarão por ele também tomar a liderança do próprio partido. Ele tem neste momento tudo o que precisa, pelo menos ao nível do Estado, para promover as reformas, promover as mudanças e trazer essa dinâmica que visa promover o bem-estar para a população. Dentro do partido, é uma luta que, obviamente, ele também terá que fazer para colocar no mesmo alinhamento o partido e a sua acção para que não haja uma espécie de destoar entre o Executivo e o Legislativo no Parlamento, porque para viabilizar muitas das políticas que ele vai anunciar, claramente vai precisar do suporte do Parlamento para aprovar essas políticas, para aprovar essas leis. Então ele vai precisar também do seu partido e vamos ver como é que o partido compreendeu esse discurso que ele trouxe, ou até mesmo se o seu próprio partido o apoiou na elaboração desse discurso e dessa visão que vai trazer rupturas muito profundas.
RFI: As reformas também implicam algum investimento financeiro. Moçambique tem condições mínimas para avançar com estas reformas, tendo em conta, por exemplo, o impacto que as dívidas ocultas continuam a ter sobre o orçamento do país, sem contar o impacto também mais recente, dos danos provocados pelas violências destas últimas semanas?
Dércio Alfazema: Talvez essas reformas, essa reestruturação do Estado seja uma forma de responder a essa retirada dos parceiros, seja uma forma também de procurar confiança e mais apoio ao nível dos parceiros. Porque por nós, internamente, está claro que o nosso sistema é deficitário, mesmo com esses cortes que vão fazer, retirando alguns ministérios, retirando alguns cargos e alguns benefícios aos dirigentes. Penso que não será suficiente para cobrir todo o processo de reforma, que vai ser uma reforma que vai no mínimo demandar cinco ou dez anos. Mas uma vez mais, ele vai precisar -sim- do apoio externo e vai depender, em termos da sua política externa, como vai se posicionar perante os parceiros e doadores para poder ter o financiamento necessário para tornar efectivas algumas dessas reformas que pretende fazer. Mas algumas delas claramente que não dependem do apoio externo e que internamente, ele pode, a partir das suas próprias decisões, implementar como essa questão de redução do governo, redução dos ministérios, a questão de retirar o vice-ministro, a questão da descentralização ao nível da província. Algumas medidas são meramente políticas e dependem dele, mas em algumas, ele vai precisar de apoio para poder pô-las em prática.
RFI: É habitual fazer-se uma primeira avaliação da acção de um novo governante ao fim dos cem primeiros dias. A seu ver, quais vão ser as "prioridades das prioridades" de Daniel Chapo nos primeiros tempos da sua governação?
Dércio Alfazema: Essa é uma grande questão. O país tem muitos desafios, mas o primeiro sinal já foi dado com o seu discurso. Mas acredito que vai haver algum investimento em termos de infraestruturas, em termos de serviços de educação, até porque os primeiros cem dias vão coincidir com a abertura do ano lectivo. Então, há de haver uma grande expectativa, porque a educação também tem muitos desafios, inclusive a questão da distribuição dos livros escolares, que tem sido também feito de forma muito problemática. Há de haver necessidade, talvez, de responder a algumas questões urgentes em termos de infraestruturas, de vias de acesso e estradas. Portanto, estamos todos na expectativa para ver como é que ele vai dar o primeiro sinal perante esse elevar da fasquia com o seu discurso. Como é que ele vai dar os primeiros sinais ao longo dos primeiros cem dias, sobre o rumo que pretende dar ao país? Claramente que há de ser importante e necessário também criar esse ambiente de paz, de reconciliação, para que ele consiga pôr em marcha aquilo que é o seu plano.
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