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[S01E03] Déjà Vu

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O episódio "Déjà Vu", de "Crônicas do Fim do Mundo" foi produzido por Caio Salgado. Comentários, críticas e sugestões: caio@chsalgadofoto.com.br ou pelo Twitter: @chsalgado. Leia essas e outras crônicas no Medium. Acesse o link: https://goo.gl/tIGy6p Transcrição Você já teve um déjà vu? Se não teve, vai ter. A sensação de “isso já aconteceu comigo antes” ocorre devido a uma falha do nosso cérebro, que identifica cenários parecidos e diz que estamos revivendo a mesma situação. É exatamente essa a impressão que estou tendo agora, ao subir as escadas estreitas de um edifício histórico. O que, nesta cidade, significa um motel caindo aos pedaços e fedendo a mofo. No segundo andar, um aglomerado de policiais cerca uma das portas. Uma fita amarela separa os legistas dos curiosos, ávidos por registrar alguma coisa e obter um mórbido sucesso publicando tudo. Um guarda me identifica e eu não preciso mais me espremer por entre suor e perdigotos. A luz do início da manhã, parcialmente barrada pela persiana, ilumina mais que a lâmpada de tungstênio. Ela ainda teve sorte de poder usar um quarto com janela. Eu olho para ela, dos pés ao pescoço. Preciso acender um cigarro para olhar para seu rosto, coberto por um saco plástico. Seus olhos verdes sem brilho chamam minha atenção porque, nesse exato instante, o que eu sinto não é um déjà vu, é uma lembrança perfeita de quando seus olhos ainda brilhavam. Ela não vive. E a culpa é minha. Mais um trago de cigarro e eu sinto a nicotina descer rasgando a minha garganta. Eu jogo a bituca pela janela enquanto tento voltar ao chão. Meus pés formigam. Todos já perdemos alguém, é verdade. Próximo ou distante. Muita gente morre, todos os dias. Muitos são assassinados ou têm um ataque cardíaco ao atravessar a rua. O que eu torço é para que ninguém morra porque você não fez nada. Porque você achou que era apenas mais uma fraude. Eu preferiria ter motivos para matá-la. Queria eu ter lhe arrancado a vida. Porque não há sensação pior que ser responsável por uma morte. Duas semanas antes, aqueles olhos, agora esbugalhados e cobertos de sangue, eram límpidos. A boca, roxa, era tão vermelha que parecia estar em carne viva. Ela era mais uma que dizia conhecer o assassino mais desconhecido do qual já ouvimos falar. Ela saiu com um cigarro e um pedaço de papel com meu número do meu celular. Eu volto à realidade. O legista está à minha frente. Acho que perdi alguns minutos da conversa. Seu rosto, movendo-se negativamente, apenas comprova o que já era esperado. Sem digitais, sem pelos, sem qualquer fluido corporal. Sem pedaços de papel com números de celular. Os primeiros raios e trovões são minha desculpa para sair dali. No carro, acendo mais um cigarro antes de ligar o rádio e dar a partida. Através do para-brisa embaçado eu só vejo seus olhos verdes. Meu celular toca.
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Crônicas do Fim do Mundo

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