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Apesar de garantia constitucional, aborto se tornou prática de médico militante na França
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A lei que legalizou o aborto na França completa, nesta sexta-feira (17), 50 anos. Em 2024, esse direito foi reforçado com uma menção incluída na Constituição, mas, na prática, essa conquista das francesas, que é uma exceção mundial, continua ameaçada. O procedimento é mal remunerado pelo sistema público de saúde e perdeu atratividade para os médicos.
A data tem sido marcada por denúncias e uma intensa cobertura da mídia para ouvir mulheres que enfrentaram dificuldades recentes para abortar. Por dever de memória e transmissão, feministas e profissionais da saúde que viveram o antes e o depois da promulgação da lei que “descriminalizou a interrupção voluntária da gravidez”, em 17 de janeiro de 1975, recordam os riscos que as mulheres corriam na época para abortar, os métodos empregados pelas "fazedoras de anjos" e as inúmeras mortes de jovens e mães por hemorragia e septicemia.
Em meados dos anos 1970, a então ministra da Saúde, Simone Veil, enfrentou um plenário dominado por homens na Assembleia Nacional e aprovou essa imensa conquista, com o apoio do presidente francês Valéry Giscard d’Estaing.
Cinquenta anos depois, a luta feminista continua, porque o artigo 34 da Constituição francesa diz que o aborto é "uma liberdade explicitamente garantida às mulheres", mas a aplicação desse direito é remetida a leis complementares. Já no ano passado, a iniciativa do presidente Emmanuel Macron foi acolhida como um ato simbólico, que se confirma insuficiente na prática.
Atualmente, o foco de combate das feministas francesas é questionar o princípio da “liberdade de consciência” concedida aos médicos, prevista no Código de Saúde Pública. Essa cláusula ganhou força nos últimos anos, com o ressurgimento do movimento patriarcal ultraconservador na França e em escala internacional. Outra constatação é que o procedimento médico em si não é valorizado pelo sistema público de saúde e perdeu atratividade para os médicos.
Desde 2020, um relatório parlamentar já apontava que o aborto era mal remunerado e tinha se tornado uma prática de “médicos militantes”. Esse fenômeno é no mínimo contraditório em relação às garantias que o Estado francês diz oferecer às mulheres, uma vez que o aborto é gratuito no país e 100% coberto pelo sistema público de saúde.
Faz 23 anos que o aborto induzido pela pílula abortiva foi autorizado nos consultórios. Esse avanço para a saúde feminina, recomendado até a sétima semana de gravidez, foi festejado na época. Mas de acordo com os números oficiais, só 14% das parteiras, 19% dos ginecologistas e 1,5% dos clínicos gerais acompanharam mulheres nesse processo em 2023. Naquele mesmo ano, para mitigar a carência, as obstetrizes, parteiras com formação universitária, foram autorizadas a praticar o aborto instrumental em estabelecimentos de saúde.
Médicos voluntários desaparecem
Nesta sexta-feira, a mídia transborda de relatos de francesas que enfrentaram dificuldades para encontrar um profissional no prazo que a lei estabelece para o aborto, seja por aspiração, até 14 semanas de gestação, ou com a pílula abortiva. A situação nas zonas rurais é mais complicada do que nas grandes cidades.
Além da falta de médicos voluntários, o Movimento Francês de Planejamento Familiar, criado na década de 1960 e um orgulho das feministas, denuncia o fechamento de 130 unidades hospitalares dedicadas ao aborto nos últimos 15 anos.
Esses centros desapareceram devido aos sucessivos cortes de orçamento na Saúde. O número de abortos se mantém relativamente estável desde a década de 1990, oscilando entre 220.000 e 230.000 casos por ano. De 2021 para cá, houve um aumento anual médio de 10 mil procedimentos. Mas como essa alta é recente e ainda acontece num contexto desfavorável à natalidade, é muito cedo para estabelecer as razões.
Por outro lado, 50 anos depois da legalização do aborto persiste um "tabu gigantesco" na sociedade francesa sobre o assunto, na avaliação do Planejamento Familiar. O acesso à informação sobre o direito de abortar é a nova batalha, devido às campanhas de desinformação promovidas por movimentos ultraconservadores na internet.
Pressão psicológica contra a mulher é crime
Em 2017, a França ampliou o conceito do crime de obstrução ao aborto, que agora pune não apenas ações físicas, mas também pressão psicológica ou campanhas de desinformação. As penas podem ser de até dois anos de prisão e uma multa de € 30.000 (cerca de R$ 185.000, segundo o câmbio atual).
Mas os opositores ao aborto, ligados ao movimento católico ultraconservador e à extrema direita, têm multiplicado as táticas para perturbar o funcionamento das unidades de atendimento e constranger as mulheres a usufruir de um direito constitucional.
Para perturbar o bom funcionamento do sistema e desencorajar os profissionais de saúde a praticar o aborto, os ativistas antiaborto fazem agendamentos massivos de consultas usando perfis falsos de pacientes nos sites de clínicas e hospitais; promovem depredações desses locais durante a madrugada; aparecem nos pontos de atendimento com cartazes que insultam as mulheres; sem falar no show de horrores nas redes sociais, com a postagem de imagens ensanguentadas de pura desinformação sobre as técnicas abortivas e o suposto sofrimento do embrião, que cientificamente não existe no primeiro estágio da gravidez.
A avalanche de fake news se profissionalizou com as redes sociais e hoje conta com financiamento interno e proveniente do exterior. O país que se orgulha de suas políticas na área de direitos humanos e das mulheres tem novos desafios pela frente.
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A lei que legalizou o aborto na França completa, nesta sexta-feira (17), 50 anos. Em 2024, esse direito foi reforçado com uma menção incluída na Constituição, mas, na prática, essa conquista das francesas, que é uma exceção mundial, continua ameaçada. O procedimento é mal remunerado pelo sistema público de saúde e perdeu atratividade para os médicos.
A data tem sido marcada por denúncias e uma intensa cobertura da mídia para ouvir mulheres que enfrentaram dificuldades recentes para abortar. Por dever de memória e transmissão, feministas e profissionais da saúde que viveram o antes e o depois da promulgação da lei que “descriminalizou a interrupção voluntária da gravidez”, em 17 de janeiro de 1975, recordam os riscos que as mulheres corriam na época para abortar, os métodos empregados pelas "fazedoras de anjos" e as inúmeras mortes de jovens e mães por hemorragia e septicemia.
Em meados dos anos 1970, a então ministra da Saúde, Simone Veil, enfrentou um plenário dominado por homens na Assembleia Nacional e aprovou essa imensa conquista, com o apoio do presidente francês Valéry Giscard d’Estaing.
Cinquenta anos depois, a luta feminista continua, porque o artigo 34 da Constituição francesa diz que o aborto é "uma liberdade explicitamente garantida às mulheres", mas a aplicação desse direito é remetida a leis complementares. Já no ano passado, a iniciativa do presidente Emmanuel Macron foi acolhida como um ato simbólico, que se confirma insuficiente na prática.
Atualmente, o foco de combate das feministas francesas é questionar o princípio da “liberdade de consciência” concedida aos médicos, prevista no Código de Saúde Pública. Essa cláusula ganhou força nos últimos anos, com o ressurgimento do movimento patriarcal ultraconservador na França e em escala internacional. Outra constatação é que o procedimento médico em si não é valorizado pelo sistema público de saúde e perdeu atratividade para os médicos.
Desde 2020, um relatório parlamentar já apontava que o aborto era mal remunerado e tinha se tornado uma prática de “médicos militantes”. Esse fenômeno é no mínimo contraditório em relação às garantias que o Estado francês diz oferecer às mulheres, uma vez que o aborto é gratuito no país e 100% coberto pelo sistema público de saúde.
Faz 23 anos que o aborto induzido pela pílula abortiva foi autorizado nos consultórios. Esse avanço para a saúde feminina, recomendado até a sétima semana de gravidez, foi festejado na época. Mas de acordo com os números oficiais, só 14% das parteiras, 19% dos ginecologistas e 1,5% dos clínicos gerais acompanharam mulheres nesse processo em 2023. Naquele mesmo ano, para mitigar a carência, as obstetrizes, parteiras com formação universitária, foram autorizadas a praticar o aborto instrumental em estabelecimentos de saúde.
Médicos voluntários desaparecem
Nesta sexta-feira, a mídia transborda de relatos de francesas que enfrentaram dificuldades para encontrar um profissional no prazo que a lei estabelece para o aborto, seja por aspiração, até 14 semanas de gestação, ou com a pílula abortiva. A situação nas zonas rurais é mais complicada do que nas grandes cidades.
Além da falta de médicos voluntários, o Movimento Francês de Planejamento Familiar, criado na década de 1960 e um orgulho das feministas, denuncia o fechamento de 130 unidades hospitalares dedicadas ao aborto nos últimos 15 anos.
Esses centros desapareceram devido aos sucessivos cortes de orçamento na Saúde. O número de abortos se mantém relativamente estável desde a década de 1990, oscilando entre 220.000 e 230.000 casos por ano. De 2021 para cá, houve um aumento anual médio de 10 mil procedimentos. Mas como essa alta é recente e ainda acontece num contexto desfavorável à natalidade, é muito cedo para estabelecer as razões.
Por outro lado, 50 anos depois da legalização do aborto persiste um "tabu gigantesco" na sociedade francesa sobre o assunto, na avaliação do Planejamento Familiar. O acesso à informação sobre o direito de abortar é a nova batalha, devido às campanhas de desinformação promovidas por movimentos ultraconservadores na internet.
Pressão psicológica contra a mulher é crime
Em 2017, a França ampliou o conceito do crime de obstrução ao aborto, que agora pune não apenas ações físicas, mas também pressão psicológica ou campanhas de desinformação. As penas podem ser de até dois anos de prisão e uma multa de € 30.000 (cerca de R$ 185.000, segundo o câmbio atual).
Mas os opositores ao aborto, ligados ao movimento católico ultraconservador e à extrema direita, têm multiplicado as táticas para perturbar o funcionamento das unidades de atendimento e constranger as mulheres a usufruir de um direito constitucional.
Para perturbar o bom funcionamento do sistema e desencorajar os profissionais de saúde a praticar o aborto, os ativistas antiaborto fazem agendamentos massivos de consultas usando perfis falsos de pacientes nos sites de clínicas e hospitais; promovem depredações desses locais durante a madrugada; aparecem nos pontos de atendimento com cartazes que insultam as mulheres; sem falar no show de horrores nas redes sociais, com a postagem de imagens ensanguentadas de pura desinformação sobre as técnicas abortivas e o suposto sofrimento do embrião, que cientificamente não existe no primeiro estágio da gravidez.
A avalanche de fake news se profissionalizou com as redes sociais e hoje conta com financiamento interno e proveniente do exterior. O país que se orgulha de suas políticas na área de direitos humanos e das mulheres tem novos desafios pela frente.
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