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Dostoiévski

 
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Óleo sobre tela de Vasily Perov (1872). Galeria Tretyakov, Moscou.

Segundo Otto Maria Carpeaux, “a literatura russa do século XIX teve que desempenhar várias funções, além da literária propriamente dita: era jornalismo, num país em que não existia imprensa livre; era tribuna política, num país em que não havia parlamento; era cátedra universitária, num país em que as universidades eram fiscalizadas pelos agentes de polícia; era púlpito, num país em que a própria Igreja estava muda.” Num jogo tão complexo, Dostoiévski conseguiu subir ao pódio, talvez só acompanhado por Tolstoi, como o mais celebrado romancista russo. As razões variam. O filósofo Berdiaev afirmava que ele foi não só um grande artista, mas o maior dos metafísicos russos. Para Albert Camus foi ele, e não Karl Marx, o grande profeta do século XIX. Einstein declarou que Dostoiévski lhe deu “mais do que qualquer outro pensador”, provendo-lhe um vislumbre inspiracional no relativismo e na instabilidade da realidade. Nietzsche confessava que “ele foi o único que me ensinou alguma coisa em psicologia” e Freud confidenciou: “Dostoiévski sabia mais sobre a alma humana do que eu.” Segundo seu biógrafo Joseph Frank: “Ele possuía o que eu chamo de uma ‘imaginação escatológica,’ capaz de visualizar ideias em ação e então segui-las até as suas últimas consequências”.

Seus romances policêntricos nos precipitam entre pontos de vista existenciais de diferentes personagens, onde o realismo externo se choca com realidades interiores que oscilam entre a mística e a patologia. Em meio a emoções vulcânicas, intrigas labirínticas e ideias extremadas, mesclam-se o burlesco e o trágico, o sentimentalismo e o cinismo. De fato, notou Leonid Grossman, “ele passou por vários estágios na busca por uma verdade guia – romantismo, socialismo utópico, cristianismo (especificamente, a ortodoxia russa), o ‘solo’ do eslavofilismo, a ‘Era de Ouro’ e a luta contra a Europa ‘agonizante’, e, finalmente, a teocracia, ou seja, uma Igreja-Estado.” Em oposição ao mundo imóvel, claro e preciso de Tolstoi, o filósofo Vladimir Soloviov afirmava: “Aqui tudo está em fermentação, nada está formado, tudo está em formação. … [Dostoiévski] não acreditava somente no passado mas no Reino de Deus vindouro, e compreendia a necessidade do trabalho e do sacrifício para a sua realização”. O próprio escritor confessava:

“Sou um filho do meu tempo, um filho da descrença e da dúvida até este exato momento e (tenho certeza disso) até o túmulo. … [Mas eu] compus em mim uma profissão de fé, onde tudo é claro e sagrado. Esta profissão de fé é bastante simples, ei-la: crer que não há nada mais belo, mais profundo, mais simpático, mais razoável, mais corajoso ou mais perfeito que Cristo; e não somente não há nada, como não pode haver. Mais ainda: se alguém me provasse que Cristo não está na verdade, e se fosse realmente estabelecido que a verdade não está com Cristo, eu preferiria permanecer com Cristo mais do que com a verdade.”

Não à toa, Dostoiévski declamava frequentemente em público o poema O Profeta, de Púchkin, concluindo:

A voz de Deus me conclamou:
‘Ergue-te, Ó profeta, vê e ouve,
Enche-te com a minha Vontade,
Avança sobre terras e mares,
E inflama os corações dos homens com o teu Verbo’.

Com

Flávio Ricardo Vassoler: Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo e autor de Dostoiévski e a Dialética.

Lucas Simone: Doutorando em Literatura e Cultura Russa pela Universidade de São Paulo e tradutor de Memórias do Subsolo.

Priscila Marques: Doutora em Literatura e Cultura Russa pela Universidade de São Paulo, tradutora de Dostoiévski e mestre com dissertação sobre Crime e castigo.

Referências

  • Dostoevsky 5 vols.de Joseph Frank.
  • Dostoiévski e a Dialética de Flávio Ricardo Vassoler.
  • Crítica e Profecia. A filosofia da religião em Dostoiévski de Luiz Felipe Pondé.
  • The Cambridge Companion to Dostoevskii editado por W.J. Leatherbarrow.
  • Dostoevsky de Harold Bloom.
  • Dostoievski de Henri Troyat.
  • ??????????? ? ????? (Dostoiévski e Nietzsche) de Lev Shestov.
  • Dostoevsky: His Life and Work de Konstantin Mochulsky.
  • Dostoevsky: The Major Fiction de Edward Wasiolek.
  • Dostoïevski de André Gide.
  • Dostoïevski et le probleme du mal de Paul Evdokimov.
  • L’esprit de Dostoïevski de Nicolas Berdiaev.
  • Tolstoy or Dostoevsky de George Steiner.
  • ??????????? (Dostoiévski) de Leonid Grossman.
  • La légende du Grand Inquisiteur de Dostoïevski comentada por K. Léontiev, V. Soloviev, V. Rozanov, S. Boulgakov, N. Berdiaev e S. Frank.
  • Dostoievski de Jacques Madaule.
  • Dostojewski, Tragödie-Mythos-Mystik de Viecheslav Ivanov.
  • Dostoevsky and his Devils de Vaclav Cerny.
  • ?. ??????? ? ??????????? (Tolstoi e Dostoievski) de Dmitry Merezhkovsky.

Apresentação: Marcelo Consentino
Produção técnica: Afrânio Cruz

O post Dostoiévski apareceu primeiro em Estado da Arte.

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Segundo Otto Maria Carpeaux, “a literatura russa do século XIX teve que desempenhar várias funções, além da literária propriamente dita: era jornalismo, num país em que não existia imprensa livre; era tribuna política, num país em que não havia parlamento; era cátedra universitária, num país em que as universidades eram fiscalizadas pelos agentes de polícia; era púlpito, num país em que a própria Igreja estava muda.” Num jogo tão complexo, Dostoiévski conseguiu subir ao pódio, talvez só acompanhado por Tolstoi, como o mais celebrado romancista russo. As razões variam. O filósofo Berdiaev afirmava que ele foi não só um grande artista, mas o maior dos metafísicos russos. Para Albert Camus foi ele, e não Karl Marx, o grande profeta do século XIX. Einstein declarou que Dostoiévski lhe deu “mais do que qualquer outro pensador”, provendo-lhe um vislumbre inspiracional no relativismo e na instabilidade da realidade. Nietzsche confessava que “ele foi o único que me ensinou alguma coisa em psicologia” e Freud confidenciou: “Dostoiévski sabia mais sobre a alma humana do que eu.” Segundo seu biógrafo Joseph Frank: “Ele possuía o que eu chamo de uma ‘imaginação escatológica,’ capaz de visualizar ideias em ação e então segui-las até as suas últimas consequências”.

Seus romances policêntricos nos precipitam entre pontos de vista existenciais de diferentes personagens, onde o realismo externo se choca com realidades interiores que oscilam entre a mística e a patologia. Em meio a emoções vulcânicas, intrigas labirínticas e ideias extremadas, mesclam-se o burlesco e o trágico, o sentimentalismo e o cinismo. De fato, notou Leonid Grossman, “ele passou por vários estágios na busca por uma verdade guia – romantismo, socialismo utópico, cristianismo (especificamente, a ortodoxia russa), o ‘solo’ do eslavofilismo, a ‘Era de Ouro’ e a luta contra a Europa ‘agonizante’, e, finalmente, a teocracia, ou seja, uma Igreja-Estado.” Em oposição ao mundo imóvel, claro e preciso de Tolstoi, o filósofo Vladimir Soloviov afirmava: “Aqui tudo está em fermentação, nada está formado, tudo está em formação. … [Dostoiévski] não acreditava somente no passado mas no Reino de Deus vindouro, e compreendia a necessidade do trabalho e do sacrifício para a sua realização”. O próprio escritor confessava:

“Sou um filho do meu tempo, um filho da descrença e da dúvida até este exato momento e (tenho certeza disso) até o túmulo. … [Mas eu] compus em mim uma profissão de fé, onde tudo é claro e sagrado. Esta profissão de fé é bastante simples, ei-la: crer que não há nada mais belo, mais profundo, mais simpático, mais razoável, mais corajoso ou mais perfeito que Cristo; e não somente não há nada, como não pode haver. Mais ainda: se alguém me provasse que Cristo não está na verdade, e se fosse realmente estabelecido que a verdade não está com Cristo, eu preferiria permanecer com Cristo mais do que com a verdade.”

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Enche-te com a minha Vontade,
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  • Dostoevsky 5 vols.de Joseph Frank.
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  • Dostoevsky de Harold Bloom.
  • Dostoievski de Henri Troyat.
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  • Dostoevsky: His Life and Work de Konstantin Mochulsky.
  • Dostoevsky: The Major Fiction de Edward Wasiolek.
  • Dostoïevski de André Gide.
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  • L’esprit de Dostoïevski de Nicolas Berdiaev.
  • Tolstoy or Dostoevsky de George Steiner.
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  • Dostoievski de Jacques Madaule.
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